segunda-feira, 14 de junho de 2010

a escultura




A escultora

Sempre sentada em um tamborete almofadado
na varanda de sua casa às tardes de dias pares,
modelava na argila rostos de pessoas com expressões apressadas.
Também tecia gigantescos cachecóis.
Gostava de chá as quatro e vinte da tarde, também era o horário de usar essências aromáticas para defumar o ambiente.
Lia livros de autores exagerados.
Recitava poemas para sua platéia de samambaias.
Usava pantufas.
Cozinhava com azeite.
Tinha o estranho hábito de contar o número de passos que dava durante o dia e
não podia ultrapassar a marca de 2560 dentro de vinte e quatro horas.
Filmes de faroeste a excitavam e radio só AM.
Passeava pelo parque municipal pelas manhãs colhendo expressões de pessoas apressadas, que mais tarde virariam esculturas de barro queimado.
Frequentava os trabalhos xamânicos em cetés e adorava fogueira de são João.
Algo diferente aconteceu no natal:
Ela fechou os olhos e logo estava em uma espécie de confinamento, encontrava-se em uma tenda armada perto da cachoeira serra morena onde lá ficou meditando em transe sem comer sem beber e sem falar com ninguém até que por fim ouviu o uivar do lobo guará anunciando a chegada do novo ano. Daí ela se libertou do transe ligeiramente abatida e como num passe de mágica se teletransportou até sua varanda, onde acordara sentada em seu tamborete almofadado. Foi quando viu que tudo não passara de um sonho e que a partir disso começou a modelar com o olhar mais sereno a expressão de pressa no rosto de suas esculturas.


3 comentários:

  1. excelente caracterização da personagem.
    ô moço, dá um autógrafo?

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  2. ô gente, bondade sua sô!!!
    mas o autografo é todinho seu!

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  3. Muito bom mesmo, me fez lembrar exércios que fiz em sala de aula, usando os métodos de Stanislavski.Uma personagem muito boa.

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